Se o notório caso do “mendigo pegador”, ocorrido no dia 9 de março na cidade de Planaltina (DF), tivesse acontecido na era “pré-Youtube”, dificilmente essa história repercutiria em todo o país. Acredito que, assim como outras tantas histórias curiosas do cotidiano, se não fosse pela massificação de tudo o que é fútil, ainda mais na era da internet, o referido caso seria apenas mais uma daquelas anedotas contadas nas mesas dos bares. Entretanto, a coisa viralizou, tendo como pano de fundo a cultura digital e o jornalismo.
Na obra “O mundo que não pensa” (Editora Leya, 2018), o jornalista Franklin Foer faz grandes revelações sobre o modus operandi do jornalismo no contexto da internet e suas tecnologias subjacentes. Para Foer, o jornalismo contemporâneo é extremamente dependente do Google e do Facebook, considerando que as duas gigantes possuem grande parte do público, principalmente as gerações mais jovens e mais conectadas. Logo, são elas que ditam como os portais de notícias deverão se comportar para gerar receita.
Essa dependência gera uma corrida contra o tempo, pois os veículos de imprensa precisam mobilizar seus criadores de conteúdo para fabricar sob demanda notícias que sejam capazes de atrair cliques, engajar o público e vender anúncios.
Nesse contexto, Clay A. Johnson, em sua obra “Dieta da Informação: uma defesa do consumo consciente”, publicada originalmente em 2011, já havia mostrado a estratégia de diversos portais de notícias, que ele chamou de “fazendas de conteúdo”. Em um polêmico documento vazado, o portal America Online (AOL) deixou claro aos seus criadores de conteúdo que eles deveriam escrever de cinco a dez posts populares por dia, com o único objetivo de gerar receita de maneira rápida e barata.
Não é à toa que o assunto popular do momento nos é empurrado “goela abaixo”, mesmo sem manifestarmos nenhum interesse nele por meio de nosso comportamento navegacional. Os algoritmos de recomendação de conteúdo, que nos monitoram a todo tempo e que ninguém sabe exatamente como funcionam, sempre encontram um caminho para nos transformar em geradores involuntários de receita.
É como aquela icônica frase do documentário “O Dilema das Redes” (Netflix, 2020): “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto”. Assim, os portais de notícias, reféns do Google e do Facebook, fizeram exatamente o que era esperado: transformaram o caso do “mendigo pegador” em prioridade jornalística.
O marido traído foi entrevistado por uma grande emissora de TV (acredito que ele deve ter recebido um bom cachê) e o morador de rua virou uma subcelebridade, mostrando oportunismo, boa dicção e bom vocabulário em suas aparições públicas. Em um trecho vazado de uma das entrevistas, o morador de rua expôs desnecessariamente a mulher (que estaria em um suposto surto psicótico), revelando os detalhes mais sórdidos da relação que, segundo ela mesma relatou à polícia, foi consensual.
Enfim, o que era para ser apenas mais uma fofoca de cidade do interior, ou apenas mais um caso de polícia, considerando que houve agressão, ganhou o Brasil.

Não que o fato em si não tenha importância para os envolvidos, mas fazer com que isso seja tratado como um assunto de relevância jornalística nacional me faz pensar em como as tecnologias modernas estão transformando nossa cultura e, principalmente, a credibilidade de parte da nossa imprensa.


Eu não vou me surpreender se o “mendigo pegador” for candidato nas próximas eleições, afinal de contas, estamos no Brasil.

Prof. Me. Jorge Luís Gregório
Docente da Fatec Jales
www.jlgregorio.com.br

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