Segundo a cultura popular, o 1º de abril é o dia em que temos uma espécie de licença poética, supostamente concedida pelos nossos antepassados, para nos divertirmos pregando peças em nossos amigos usando “mentirinhas inocentes”. É certo que não há um consenso sobre a origem do icônico dia da mentira, sobrando várias teorias e narrativas.
Uma das explicações remete ao ano de 1564, mais precisamente na França. Naqueles tempos, o calendário vigente era o juliano. Ademais, a celebração do ano novo francês durava uma semana, iniciando no dia 25 de março e finalizando no dia 1º de abril. Porém, em 1564, o rei Carlos IX decretou a adoção do calendário gregoriano, alterando oficialmente a comemoração do ano novo para o dia 1º de janeiro.
Esse decreto teria desagradado muitas pessoas que ignoraram a autoridade do rei, mantendo a comemoração da virada do ano no dia 1º de abril. Por esse motivo, eles se tornaram alvo de brincadeiras inusitadas e piadas infames. As brincadeiras envolviam principalmente convites para festas que não existiam.
Quase 500 anos depois, aqui estamos nós no mundo digital, perpetuando a cultura da mentira, sendo ela inocente ou não. Segundo o jornalista Franklin Foer, em sua obra “O mundo que não pensa” (Editora Leya, 2019): “Facebook e Google criaram um mundo no qual antigas fronteiras entre fato e mentira caíram por terra, em que as informações falsas se propagam de forma viral”. Na verdade, na terceira década do século XXI, no século da informação e da inteligência artificial (IA), não são apenas Google e Facebook os meios usados para a propagação de inverdades, desinformação, fake news e outros sinônimos para a pura e velha mentira.
Sim, eu sei que é óbvio, mas vale lembrar que, em sua forma mais pura, a mentira é a total negação dos fatos, o contrário da verdade. Entretanto, quando vestida com uma narrativa (pseudo) intelectual e, por diversas vezes, bem-humorada, reforçando crenças e ambições, ela é capaz de adaptar-se à visão de mundo do seu receptor, relativizando a verdade, divertindo e/ou manipulando. Os memes têm essa capacidade há tempos, ainda mais por associar imagens, textos e contextos, transformando o tácito em explícito e vice-versa. Infelizmente há aqueles que leem notícias e aprendem “fatos” apenas por meio deles, mas isso é assunto para outro artigo.
Nesse sentido, as “mentiras modernas digitais” ganham traços catastróficos quando associadas às tecnologias de IA generativa, que são capazes de gerar informações fictícias (dados sintéticos) a partir de dados reais. Por exemplo, na última semana, foram difundidas imagens geradas por IA em que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, aparece sendo detido por policiais. Emanuel Macron, presidente da França, também foi vítima, aparecendo em diversas imagens perseguido por policiais, no contexto das manifestações contra a reforma do sistema de pensões. Nem o Papa Francisco foi poupado, sendo “retratado” usando um casaco de grife.
Muitos que compartilharam essas imagens afirmaram que elas eram falsas, mas, como era de se esperar, muitos foram enganados, tomando como fato uma “mentira moderna digital”. Houve também os desonestos intelectualmente, que enxergaram a oportunidade de espalhar narrativas e inflamar os militantes (ou seriam militontos?). Imagine o que essa tecnologia irá causar nas próximas eleições, principalmente no Brasil.
De fato, na era da internet e da inteligência artificial, o 1º de abril deixou de ser algo cultural e inocente. Assim, a mentira, mesmo tendo “perna curta”, como diz o velho dito, consegue dar a volta ao planeta em questão de minutos, tendo o poder de convencer os incautos, os ignorantes e, principalmente, os doutrinados.
Prof. Me. Jorge Luís Gregório
Docente da Fatec Jales
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