COMUNIDADE

Caro leitor, imagine a situação hipotética: resolvo fazer uma grande reforma na minha casa. Quero deixá-la com um visual mais atual, contemporâneo (seja lá o conceito disso). Para esse objetivo preciso quebrar algumas paredes, readequar cômodos, construir novas entradas, destruir janelas, instalar novos pisos. Ou seja, uma grande revolução que culminará em pequenos transtornos aos habitantes dessa casa. Mas tudo em nome da reforma para deixá-la mais apresentável e utilizável. Ah, importante, a reforma tem prazo para acabar. Ainda bem
Nessa melhoria na casa onde moro não preciso pedir autorização para o vizinho. Não preciso pedir consentimento ao dono da empresa material de construção que irá me fornecer a matéria-prima. Tampouco preciso pedir a “benção” ao mestre de obras ou construtor. A casa é minha, eu a uso, faço (quase) tudo o que quiser nela. Porém, não vivo só. Mais pessoas habitam esse lar. Tenho filho, esposa, cachorro, peixe, papagaio. Recebo família e amigos para divertimento. Preciso pensar nas readequações que quero fazer para garantir-lhes um bom espaço de permanência, com o mínimo de conforto.
Pois bem. A primeira pessoa que preciso dialogar sobre a minha obra é a esposa. O verbo ‘precisar’ deve passar a sensação de obrigatoriedade, de imposição. Já imaginou a cena chegando o pedreiro mandando a marreta nas paredes da casa e a esposa, sem ter conhecimento da obra? Enfim, após a esposa ter conhecimento da minha vontade de reforma, ela vai dar alguns conselhos, do tipo: quero uma sala de tv grande, uma suíte master, cozinha gourmet, etc. Irei refletir sobre a opinião alheia e colocar na balança da minha consciência se devo acatar seus apontamentos. Exemplo: ela pode querer uma área de lazer pequena para facilitar a limpeza. Já eu posso querer uma área maior, para me garantir máxima diversão.
Enfim, após essas breves palavras que se estenderam por longos três parágrafos, quero concluir o seguinte: só de vontade/dinheiro não basta para uma boa execução de obra privada. É preciso fazer um referendo interno aos usuários do local, debater como se dará a reforma para alcançarmos a finalidade do bem comum. E se é assim em uma obra privada, o que dirá em uma obra pública, tal como revitalização de uma avenida no perímetro urbano.
Cheguei ao ponto principal. A revitalização da Avenida Paulo Marcondes teve início. A obra orçada em R$ 3,4 milhões de reais prevê a construção de uma pista de caminhada e ciclofaixa central, recapeamento asfáltico, melhoria e readequação do sistema de drenagem e escoamento das águas da chuva, bem como a repaginação da iluminação pública ornamental. Ou seja, uma revolução completa naquele trecho. Ocorre que até onde se apurou, não houve nenhuma ou talvez insuficiente informação aos usuários de “como se daria a reforma ou revitalização”. É como se o pedreiro chegasse no local quebrando tudo e os empresários do Distrito Industrial fossem tomando conhecimento da revitalização durante a execução da obra.
Na situação exposta, a Lei Orgânica do Município de Jales regulamenta, em seu art. 138 que cabe ao Poder Público ‘exigir na forma da Lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do Meio Ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, garantida audiências públicas’ (inciso II). Advirto que o Meio Ambiente possui diversas variações, não se limitando a fauna e flora. No caso de avenidas, praças, o Meio Ambiente é o artificial, com o breve conceito de ser “toda manifestação (construção) humana refletiva na modificação do ambiente a quo delimitada no espaço territorial urbano”. No popular o que se pede é o EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.
O que de fato houve com a obra de revitalização na avenida é a dúvida da escolha do local, por ser uma via que corta um Distrito Industrial, usada por caminhões de carga, de grande fluxo de veículos, dentre outras reflexões que colocam em xeque a obra de engenharia.
Por último, antes que possam alegar que á torcida contra a revitalização (“quanto pior, melhor”), que fique cristalino: toda obra realizada nessa cidade que tem como objetivo a melhoria na infraestrutura urbana deve ser realizada, contudo, com o debate entre os seus usuários. E é assim que prescreve o princípio básico do Direito Administrativo: o da supremacia do interesse coletivo sobre o particular. Sempre que houver conflito entre um particular e um interesse público coletivo, deve prevalecer o interesse público. Desejo sorte ao Governista.

  • Gustavo Alves Balbino (Advogado, Especialista em Educação, Mestre em Ciências Ambientais; e-mail: [email protected])

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