É notória e sabida a insatisfação acerca da notícia da absolvição da tal funcionária da Prefeitura que supostamente teria desviado valores exorbitantes – principalmente quando se trata de uma cidade de menos de 50.000 habitantes. No entanto, este artigo não tem como objetivo questionar o mérito da sentença, tampouco o processo penal, trata-se de uma abstração acerca do processo penal, para quem ele se mostra e para quem se esconde.
Na data de 06/05/2021, na Favela do Jacarezinho, cidade do Rio de Janeiro, houve uma chacina com 28 mortos. A polícia informou que destes, 27 eram suspeitos – não culpados, mas SUSPEITOS. Em contraponto, uma das razões que motivou a absolvição da servidora foi a dúvida razoável. Ou seja, na dúvida, deve-se absolver o acusado (in dubio pro reo, no juridiquês).
A dúvida razoável não existiu para absolver os 27 indivíduos mortos na chacina, não existe para cerca de 32% dos cerca de 800 mil detentos no sistema prisional brasileiro. Veja, não se trata de pregar uma sanha punitivista, querer a cabeça de indivíduos em uma cabeça de prata, ou questionar as razões da sentença. Trata-se de questionar para quem o processo penal se mostra e para quem se esconde.
O processo penal é uma das garantias humanas, e visa proteger os sujeitos da punição discricionária do Estado, punição que tem o poder de destroçar a vida do acusado e de todos que o cercam. A punição estatal deixa estigmas, marcas indeléveis. Este artigo tem o objetivo de jogar um pouco de luz sobre estes sujeitos marcados (jovens negros e pobres, em sua grande maioria).
Os tratados e manuais de Direito discorrem sobre como a liberdade e a vida são garantias humanas, asseguradas pela Constituição. No entanto, nada mostra mais sobre uma sociedade quanto aqueles que ela escolheu excluir, separar, dirigir o seu ódio. Não se trata daqueles que escolhemos soltar, mas aqueles que escolhemos prender ou matar, sem nenhum direito a defesa, estes contam a história da nossa sociedade. Cadeia? Claro que o sistema não quis
Esconde o que a novela não diz.
- Paulo Henrique Fernandes Nascimento (Advogado)