É interessante acompanhar a evolução linguística de um povo quando novas palavras ou expressões são acrescentadas ao vocabulário. Esses neologismos apontam para as mudanças na compreensão que as pessoas têm da realidade que as cerca. Assim, palavras como resiliência saem do vocabulário usado na física para alcançar o dia a dia das pessoas que lutam tentando buscar equilíbrio em meio às lutas; o verbo linkar sai do ambiente tecnológico para ser usado como forma de estabelecer relação com algo.
A expressão “narrativa” também é um destes casos. Ela deixa de ser referência a um gênero literário ou um verbo que aponta para o ato de narrar uma história para significar também uma versão ideológica de um fato.
Você já deve ter visto aquela filmagem de um jovem à frente de um tanque de guerra que procurava reprimir as manifestações de estudantes chineses contrários ao regime comunista na praça da paz celestial em 1989.
A imagem alcançou o mundo e duas narrativas foram propostas: a do governo procurava mostrar que eles respeitam o cidadão a ponto de preservar uma vida que poderia ser facilmente trucidada (embora o jovem em questão tenha sido preso e desaparecido e outras centenas de pessoas tenham sido mortas no evento); outra apelava para o senso de resistência e enfrentamento à ditadura e corrupção do partido comunista chinês.
Situação idêntica acontece com as manifestações populares no Brasil após as eleições: uma narrativa aborda a questão como terrorismo e golpismo; outra, como manifestação democrática de indignação à eleição de um descondenado e seus pares corruptos. Narrativas diferentes, interpretações divergentes.
E a Bíblia? Bem, ela também é uma narrativa (como gênero literário) cuja proposta é revelar o Ser de Deus e suas ordenanças no sistema pactual. A revelação bíblica propõe a compreensão de uma narrativa que apresenta uma única história: a redenção do povo de Deus. A Bíblia não é um conjunto de histórias desconectas que servem apenas como princípios para a arquitetação de uma doutrina moral baseada no esforço próprio de vencer as tentações e mostrar ao mundo caído no pecado a pretensa santidade de quem pratica os mandamentos ou apenas mostrar que Deus “recompensa os bonzinhos e pune os malvados” a fim de que cada um seja intimidado pelo receio da punição. Portanto, a história de Davi que vence o gigante Golias não foi escrita apenas para mostrar a importância da fé; a história de Abraão não mostra apenas o valor da obediência; a de Maria não mostra apenas a submissão de uma jovem ao querer de Deus. A narrativa bíblica trata todas essas histórias dentro de uma narrativa maior: todas elas apontam para o Salvador Jesus Cristo que é maior que Davi, Abraão ou Maria, por maior que sejam seus exemplos virtuosos. O propósito das narrativas bíblicas é apontar para Jesus e mostrar que nele tudo se cumpre, tudo se manifesta e tudo se encerra.
Essa narrativa centrada em cristo tem inúmeras implicações para a vida em todos os aspectos. Por isso, quero convidar você a acompanhar os artigos mensais neste jornal onde farei algumas reflexões bíblico-teológicas sobre Cosmovisão Reformada e sua importância na compreensão prática da nossa realidade.
Você pode me acompanhar?
Rev. Onildo de Moraes Rezende
(Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento)