• ATUALIDADES

Nascer mulher no Brasil é uma tragédia anunciada. Quase quatro de nós morre por dia porque simplesmente disse um “não” a um machista, misógino, um homem mal resolvido.
Ser criança no Brasil é uma tragédia anunciada. São aproximadamente 250 casos de violência doméstica por dia. Houve ano em que mais de 413 mil casos foram notificados. Estimativas apontam que mais de 3 mil crianças morrem por ano, no país, vítimas de familiares como aconteceu nos casos de Henry Borel, Isabela Nardoni, Bernando Boldrini e Ágatha Félix, entre outros.
Ser negro, pobre, migrante, gordo, gay, velho, trans, autista, cadeirante, tudo é motivo para tragédias anunciadas nesse Brasil racista, xenofóbico, gordofóbico, homofóbico, transfóbico e que ainda sofre de etarismo e capacitismo entre outros preconceitos e lacunas morais.
E é claro que esse comportamento ignorante não seria diferente com um indigenista e um jornalista. Sim, estamos abordando o caso do funcionário licenciado da Funai, Bruno Pereira, e do correspondente do jornal britânico “The Guardian”, Dom Phillips, mortos no Vale do Javari, na Amazônia, caso em pauta no noticiário local e internacional. Por que o desaparecimento dos dois também era uma tragédia anunciada? Pelas profissões que exerciam.
Afinal, onde já se viu alguém mais preocupado com os indígenas do que com o capital (do garimpo, do desmatamento com a extração ilegal de madeira, do tráfico de drogas, da caça e pesca ilegais, do agronegócio)? Afinal, onde já se viu um jornalista estrangeiro querer fazer um livro sobre a “nossa” Amazônia?
Claro que o parágrafo acima é de pura ironia e sarcasmo. Mas é bom escrever para que não reste dúvidas aos leitores. Só para constar, indigenistas têm por profissão – tão digna como todas as outras – proteger os povos originários. E jornalistas têm por profissão denunciar crimes. Ou seja, Bruno e Dom foram mortos cruelmente porque estavam trabalhando.
Mas eles não devem ser os únicos em tempos tão distópicos. Todo cuidado é pouco para delegados que apuram crimes, especialmente de políticos; vereadoras que denunciam milícias; padres que alimentam moradores em situação de rua ou pobres drogados; professores que ensinam Filosofia, Sociologia e História (e Redação, às vezes), tratados como doutrinadores; lideranças de grupos minoritários vistos como baderneiros.
Toda profissão se torna de risco quando o Estado sucumbe à violência. Até quem se sente protegido hoje pode não estar aqui amanhã. Porque não há razão na desordem. E não há esperança no caos. Estamos todos ameaçados. Quem não entendeu isso é porque não está entendendo nada.

  • Ayne Regina Gonçalves da Silva (É jalesense. Jornalista com mestrado em Comunicação e Semiótica. Professora especializada em Metodologia Didática. Franqueada da Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui)

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