No artigo anterior apresentei a ideia de que todas as coisas que atingem nossas percepções são recebidas e processadas por alguns tipos de lentes que usamos para interpretar a realidade. Essas lentes darão forma a um determinado ponto de vista que usaremos para estabelecer uma narrativa, um conceito ou uma ideologia articulada. Se as lentes dos óculos têm a tonalidade azul, obviamente mesmo a árvore de folhagem mais verde terá uma tonalidade condizente com a cor das lentes. Por isso é tão importante pensar em como os nossos conceitos são formados: pela tradição familiar, pela cultura aceita pela sociedade, pela ideologia das escolas e universidades ou pela revelação da Palavra de Deus? Não há como escapar de qualquer uma destas opções acima. Mesmo a pessoa mais independente de qualquer destas estruturas formará seu pensamento a partir de algo que já foi (des)estruturado anteriormente – mesmo imperceptivelmente.
O termo cosmovisão surgiu do alemão Weltanschauung e não está restrito somente ao uso evangélico, pelo contrário, é usado largamente para definir “sistema de valores” ou qualquer “estrutura compreensiva da crença de uma pessoa sobre as coisas”, conforme definiu o professor e escritor Albert Volters. Sendo uma estrutura de pensamento, todas as pessoas a usarão para estabelecer alguma compreensão que lhes permita dar forma a um padrão de juízo, aceitação ou repúdio a qualquer questão da vida. Ou seja, a particularidade da formação do pensamento de cada pessoa acaba sendo um guia para ela avalizar suas opiniões e escolhas.
O fato de esse termo ter sido bastante difundido pelos pensadores reformados de linha calvinista (veja Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Francis Schaeffer e Herman Dooyereweerd, entre outros mais recentes) aponta para um fator decisivo no estabelecimento de uma cosmovisão cristã: a Bíblia fornece pressupostos espirituais não só para interpretar a revelação de Deus, mas também para interpretar o mundo, ou seja, analisar cada aspecto da criação a fim de que Deus seja mais glorificado na prática da vida diária.
O primeiro efeito de uma cosmovisão cristã é a aniquilação do conceito dualista grego que propõe uma divisão vivencial de sagrado x profano, religioso x secular, que visa criar dois mundos e dois domínios, onde Deus é Senhor do religioso e do sagrado, enquanto que tudo o que foge a essa esfera pertence ao mundo natural, pretensamente neutro em si mesmo. Essa ideia tão descabida encontra eco nos diversos conceitos de pensamento social tão bem aceitos hoje de que a “religião é coisa da vida privada; na esfera pública as pessoas não devem se posicionar em questão de fé” (já ouviu isso?); ou então, quando o professor universitário adverte seus alunos no primeiro dia de aula: “Aqui dentro vocês devem pensar como acadêmicos. Coração é para a religião, a mente é para a ciência!” (muito original, não é mesmo?). A grande questão é que a Bíblia não faz essa distinção de mundos separados simplesmente pelo fato de que Deus é Senhor da vida inteira – e não apenas de uma parte dela. Assim, ele não se importa somente com as questões da alma, mas com todas as esferas da vida. Por isso, uma cosmovisão cristã olha para a Escritura a fim de estabelecer, a partir dela, os fundamentos (as famosas lentes) que lhe permita entender todos os assuntos da construção humana através da ótica de Deus. Neste caso, o que Deus tem a ensinar sobre a salvação é tão importante quanto o que Ele ensina sobre lazer, dinheiro, sexualidade, trabalho, economia, política ou qualquer outra coisa.
Qual o conteúdo de uma cosmovisão bíblica e como ela se relaciona com as demais visões de mundo? Próximo mês procuraremos estabelecer essas ideias. Até lá, se Deus quiser.

Rev. Onildo de Moraes Rezende
(Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento)

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