Fomos dormir em um domingo (10.07.2022) pensando que o fim dos tempos havia chegado. Naquele dia, um homem desconhecido invadiu uma festa de aniversário e matou, a tiros, o aniversariante que completava 50 anos ao lado da esposa e dos quatro filhos, um deles, um bebê de 40 dias.
O motivo? O invasor, identificado posteriormente como o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, não gostou da decoração temática da festa de Marcelo Arruda, guarda civil em Foz do Iguaçu (PR) há quase 30 anos e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores naquela cidade.
Mas como a polícia finalizou o inquérito essa semana (14.07.2022) afirmando que o crime não foi político, não vamos tocar nesse assunto aqui. Pensem, apenas, no absurdo do fato. Imaginem que um dia alguém poderá invadir sua festa e matar você ou alguém que você ama por discordar das suas preferências, mesmo sem te conhecer, como foi o caso.
Mas, quando tudo já estava muito ruim, acordamos na segunda-feira (11.07.2022) em um pesadelo pior: um médico anestesista, Giovanni Quintella Bezerra, estuprou uma mulher que acabava de dar à luz em um hospital da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
O crime só foi descoberto porque uma corajosa equipe de enfermagem conseguiu filmar, com um celular escondido, o ato hediondo. As técnicas de enfermagem vinham desconfiando da alta dosagem da medicação aplicada pelo anestesista (que deixava as parturientes dopadas), da cobertura com tecido que ele providenciava de forma incomum enquanto manipulava a vítima, e de uma movimentação física do médico também não usual.
Detalhe: era o terceiro parto do dia. Os outros dois tinham sido similares, o que aumentou a desconfiança das profissionais. Mas, apesar de todos esses indicativos, os outros médicos não notaram as medicações incomuns, as parturientes desfalecidas, sem conseguir pegar seus bebês e amamentá-los, a sujeira que algumas delas seguiam para os quartos.
O que tudo isso indica? Que o fundo do poço não existe no Brasil, há sempre um jeito de cavar mais fundo. Há uma pobreza moral tão grande no país que a banalidade do mal, ensinada por Hannah Arendt, transformou-se no pão-nosso-de-todos-os-dias.
Os nossos capitães de areia agora são milhões, Jorge Amado. Nossas Terezas Batistas cansadas de guerra estão em todos os lares, Amado. E nossas meninas da noite só aumentam, Gilberto Dimenstein.
A vida permanece seca não apenas para os nordestinos, Graciliano Ramos. Nossos arados nas mãos dos negros, afrodescendentes e quilombolas estão cada vez mais tortos, Itamar Vieira Junior. E os Moacires, os filhos da dor, continuam nascendo de colonizadores e colonizadas, mas sem a romantização da história de Iracema e Martim, José de Alencar.
Só nos resta esperançar, Paulo Freire: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.
- Ayne Regina Gonçalves da Silva (É jalesense. Jornalista com mestrado em Comunicação e Semiótica. Professora especializada em Metodologia Didática. Franqueada da Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui)