“Não se pode procurar culpados. Não é hora de politizar a tragédia”. São os principais chavões que se repetem desde o início das enchentes no Rio Grande do Sul. São falas que ajudam a encobrir erros, diluir responsabilidades, proteger quem se omitiu por muito tempo.
Segundo o primeiro indígena imortal na Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak, “se 50 anos atrás alguém dissesse que botos iriam morrer de calor, ninguém acreditaria”. É de conhecimento popular o nível de devastação contínua da Amazônia, somada com a atividade de garimpo ilegal por regiões de florestamento e canais de preservação de rios.
No Rio Grande do Sul, as inundações matam, deixam famílias desalojadas, devastam cidades, afetam mais as populações em situação de vulnerabilidade e botam a perder toda a lavoura. E o que esse fato escancara? Um claro desmonte de legislações ambientais e negligência da classe política, tanto a nível municipal e estadual quanto federal.
Nos últimos 10 anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), a cada U$1 (1 dólar), se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia, não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que acometem milhares de famílias.
O descaso com os riscos climáticos se estende à bancada federal do Rio Grande do Sul. Dos 34 congressistas gaúchos, só 3 deputadas destinaram quase R$1,6 bilhão em emendas para a prevenção de desastres este ano, sendo elas Fernanda Melchionna (PSOL), Maria do Rosário (PT) e Reginete Bispo (PT).
Os dados são do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento da União (Siop), sistema que registra a destinação das verbas federais. Do outro lado de uma escolha política individual, o campeão de votos no estado pertence à bancada ruralista.
Responsabilidade política na emergência climática
No Brasil, há municípios que têm se engajado em redes de ação climática e elaborado planos para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. No entanto, poucas são as cidades com planos e ações concretas implementadas e há enorme disparidade tanto no enfrentamento a eventos climáticos que já ocorrem com intensidade quanto na capacidade das cidades para adaptar-se às mudanças climáticas e minimizar os riscos e impactos iminentes.
Os Estudos de Impacto Ambiental são previstos no Estatuto das Cidades, mas em casos raros são regulamentados por lei complementar nos municípios pelo Brasil.
Embora o aquecimento global seja um problema em escala mundial, políticas de mitigação, prevenção e adaptação não são responsabilidade apenas de entidades internacionais e governos federais. Elas podem – e precisam – ser alvo de todos os níveis dos governos, incluindo estaduais e municipais.
Os desastres climáticos, como enchentes, deslizamentos de terra e secas, têm impactado áreas urbanas de forma crescente. Um desafio crucial é a expansão desordenada das cidades, caracterizada pela criação indiscriminada de loteamentos horizontais e impermeabilização do solo.
Enquanto o Brasil afora enfrenta desafios climáticos cada vez mais urgentes, as pequenas cidades também são impactadas pela despreocupação por políticas públicas direcionadas para emergências climáticas. Neste contexto, Jales parece estar também presa em um modelo de desenvolvimento desatualizado e prejudicial ao meio ambiente.
Um dos problemas mais evidentes é a falta de arborização apropriada (palmeiras não fazem a cidade arbórea) como árvores de copas largas e o excesso de asfaltamento das ruas. Enquanto outras cidades investem em áreas verdes e espaços permeáveis para mitigar os efeitos das ilhas de calor e das enchentes, Jales parece optar por um caminho oposto, o que poderá acarretar para a degradação do ambiente urbano e piora da qualidade de vida de seus habitantes.
As consequências de uma falta de planejamento urbano estratégico abarcam a perda irreparável de áreas verdes e a destruição de ecossistemas locais, aumentando os riscos de desastres naturais e comprometendo a sustentabilidade do município a longo prazo.
A desregulação das condições climáticas acontece ao mesmo tempo em que a região bate recorde de queimadas, segundo registrado pela Unesp de Ilha Solteira (Universidade de São Paulo) e temperaturas altas em pleno outono de maio.
Uma das soluções locais é a expansão de áreas verdes e arborização, pois a impermeabilização do solo contribui com alagamentos e enchentes uma vez que não há espaço para a água “descer ao solo”, tendo em vista que a tendência é movimentar de um lugar mais alto para o mais baixo com muita força.
Podemos tomar por base quando a cidade experienciou uma situação de risco em 24 de março deste ano, com um nível de chuva de 117 milímetros. Além da água causar alagamentos dentro de muitas casas, o grande volume fez com a água ficasse acumulada em trechos da Av. João Amadeu, no centro de Jales.
Por isso, para além do voto é extremamente importante que a população pressione prefeitos, deputados e vereadores ao longo de seus respectivos mandatos de modo a garantir que políticas climáticas não sejam mera reação a catástrofes já ocorridas, mas medidas que garantam a prevenção de riscos e impactos e promovam transformações rumo a um modelo de desenvolvimento para garantir justiça social, prosperidade econômica e sustentabilidade ambiental nas cidades de todo o país.
As eleições municipais de 2024 serão muito importantes para os rumos das cidades em relação à governança climática e às perspectivas de transformações necessárias para o desenvolvimento urbano sustentável. Pouco importa sua orientação religiosa ou ideológica. As escolhas políticas não devem ser individuais baseadas em crenças, visto que tais escolhas são um recurso da sociedade e que estão na origem da emergência climática.
Afinal de contas, é nas cidades que os principais desafios e as principais ações de enfrentamento às mudanças climáticas se fazem presentes.
Marina Nossa Neto
(Jornalista, Especialista em Teorias e Práticas em Comunicação)
Thiago Nossa Neto
(Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Urbano)