No artigo anterior apresentei a ideia de que separar fé e ciência em compartimentos distintos provocaria um pensamento dualista que criaria duas esferas de domínios diferentes que, consequentemente, descaracterizaria as partes.
Falei também da graça comum – favor estendido de Deus a todas as pessoas indistintamente visando benefício a toda a humanidade. E terminei falando sobre a necessidade de entendermos a razão da divergência entre fé e ciência que perdura (ou não) até hoje.
A ideia de inimizade entre essas duas realidades expostas geralmente está conectada ao século 19 quando muitos pensadores começaram a propagar a ideia de que tanto a religião, a política quanto a filosofia tinham fracassado em seus intentos.
Unido ao fato de que Immanuel Kant havia dito que a teologia não poderia ser considerada uma ciência por não poder ter uma comprovação, a ciência laboratorial começou a ser saudada como a panaceia para os males do mundo.
Charles Darwin apenas sacramentou o que já estava definido em termos de ruptura. É, também, bem conhecida a descrição que Voltaire fez da Idade Média como um tempo de trevas e ignorância, agravado pelo fato da Igreja exercer domínio de forma opressora e oportunista (segundo sua opinião) para estabelecer seus domínios a fim de fortalecer a cultura ocidental.
O pensamento de Voltaire é que a ciência, além de fortalecer a verdadeira filosofia, romperia os grilhões da religião, da superstição e da ignorância. Obviamente, descrever a Idade Média e a Igreja da época apenas desta forma é caricatura. Apresentar o pior dos mundos em contraposição ao melhor do outro sempre traz um resultado de ganho e supremacia que enaltece o “triunfalismo científico”.
Esta visão parcial e preconceituosa de debater as duas realidades encontra alimento no conhecido confronto entre Galileu e a Igreja. A Igreja defendia a ideia Geocêntrica e Galileu a ideia heliocêntrica. Com o tempo, a ciência mostrou que a ideia defendida por Galileu era a verdadeira e que a Igreja estava errada. E daí? Daí que muitas pessoas apressadamente usam esse evento particular para mostrar que a Igreja é retrógrada, que há um abismo entre fé e ciência, que a ciência representa o lado bom da história e a Igreja o lado mal e obscurantista, etc. Porém, no excelente livro “A alma da ciência” a escritora Nancy Pearcey mostra um lado ignorado no debate: a controvérsia relativa a Galileu versus Igreja não era uma questão de intolerância de um lado e liberdade intelectual do outro, nem uma questão primordial de fé e ciência. Era o conflito de duas tradições através das quais a ciência iria caminhar: o método aristotélico ou o método mecanicista. O conceito aristotélico via os elementos de acordo com um princípio orientador e racional através do qual o cientista adquiriria o conhecimento de que precisava. O teólogo, da mesma forma, entendia que o modelo aristotélico era necessário para a formulação das leis religiosas e morais, ou seja, a ordem no mundo físico estava relacionada à ordem na sociedade. Romper com essa ideia era o dilema.
De qualquer forma, tanto os cientistas aristotélicos quanto os mecanicistas tinham uma visão muito clara acerca da Divindade. Ambos defendiam a ideia do universo criado por Deus e, portanto, deveria ter uma lógica a ser estudada e um princípio a ser o regulador da moral humana. O universo não seria autônomo e, portanto, o ser humano deveria estar subordinado a um poder maior. Dizer que todos os cristãos se opõem às novas ideias da ciência é reduzir os termos do debate, pois, na verdade, essa é uma tendência universal, até mesmo no círculo científico. Como Pearcey afirma: “Enquanto uma ideia é nova, geralmente seus defensores ainda não conseguiram reunir provas suficientes para apoiá-la”.
No próximo mês voltaremos ao tema. Até lá, se Deus quiser.
- Rev. Onildo de Moraes Rezende (Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento