Em meus dias de adolescente gostava muito de uma música do Ultraje a Rigor chamada “A festa”. A letra falava de alguém que estava se preparando para um evento no desejo de abafar. Ele ensaiava seus gestos, como se comportar, se colocava em frente ao espelho para elaborar os trejeitos e até treinava o que falar. O dia da festa chegou e, realmente, ele abafou. Sucesso total. Mas a letra termina com o autor questionando: “Mas quem eu vou ser/e o que vou fazer/quando a festa acabar?”. A ideia é mostrar que a pessoa em questão se envolveu tanto com o personagem que criou que perdeu sua referência e identidade a ponto de não saber mais quem seria o verdadeiro eu.
Para quem acha que essa questão é típica dos anos 80 ou coisa de adolescente em crise de identidade convém dizer que não é bem assim. Na verdade, estamos vivendo uma verdadeira crise de identidade e isso acontece não só por causa dos personagens criados para serem mostrados nas mídias sociais. Muito acima disso há muitas pessoas que não se conhecem: não sabem se são homens em corpo de mulher; se são animais em corpo humano; ou se são apenas um número estatístico no universo. Enquanto isso, terapias e filosofias são consumidas para tentar reorientar a mente. Afinal, há muita diferença entre o viver e o existir.
Uma tentação muito grande a pessoas em busca de identidade pessoal é a armadilha da alterreferência (do latim alter, que significa outro). Acontece quando a pessoa vive em função de agradar os outros e atender às expectativas dos pais, da sociedade, do patrão, da pessoa amada ou de qualquer outro a quem se deseja agradar para obter o reconhecimento delas. Eu digo que isso é uma armadilha por várias razões. A principal delas é que o padrão das exigências humanas é sempre inconstante e inalcançável. Quando se alcança um patamar elas elevam o grau de exigências. Assim, ao final a pessoa percebe que se tornou prisioneira do outro ao viver em função delas. A descoberta da inautenticidade das escolhas pode gerar um gosto amargo que faz a vida inteira ser uma decepção.
Uma possível saída desse labirinto é viver na prática da egorreferência (ego, em latim significa eu). A solução é tentadora, pois a pessoa segue a lógica simplista de viver para agradar a si mesma ao invés de agradar às outras. Nesse caso o ‘eu’ passa ser a referência que constrói não só as expectativas como também aquilo que confere autenticidade e personalidade. Ah, como é bom ser quem eu quero ser. Isso dá um ar de liberdade e suficiência. Mas existe outra grande armadilha nessa escolha. Como disse o pastor e filósofo brasileiro Jonas Madureira, a pessoa não se dá conta de que troca um tirano por outro. Se antes o padrão era viver em função dos outros, agora o padrão é viver em função de si mesmo. A prisão e a pressão são as mesmas. A realidade das escolhas inautênticas é mais sutil na vida egorreferente, porém alguém que busca ser o que quiser é alguém que também tem o outro como referência porque não quer ser o que o outro quer que ele seja e sim se tornar o que ele gostaria de ser. Assim, ao tentar ser o que se quer ser a pessoa cria um personagem fictício de si mesma cujos valores e princípios precisam ser alcançados. Como consequência, tanto a alterreferência quanto a egorreferência são referências negativas.
Mas há outro caminho e nele não há armadilhas ou labirintos. É a vida teorreferente (do grego Theo, que significa Deus). Há um valor objetivo em saber quem Deus quer que sejamos. Como criador, Ele é quem confere identidade a cada um de nós a partir daquilo que Jesus Cristo é. Ao conhecê-lo nos tornamos conscientes da nossa própria natureza caída e poluída pelo pecado, como também conhecemos que Ele é o único caminho, verdade e vida que conduz à libertação da escravidão de outros e da tirania do nosso coração. A busca por escolhas autênticas que constroem nossa identidade está além dos conceitos subjetivos que outros têm de nós ou que nós mesmos construímos a nosso respeito. Nossa identidade baseia-se na própria declaração bíblica: “Mas, a todos quantos o receberam (Jesus), deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (João 1.12).

  • Rev. Onildo de Moraes Rezende (Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento).

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