O título desse artigo também poderia ser: Um pouco de vergonha na cara não faz mal a ninguém. Parodiando a antiga e famosa frase (que já foi creditada a tantas pessoas diferentes que nem me atrevo a dizer quem foi o autor) que afirmava que, no Brasil, todas as leis deveriam ser abolidas e no lugar delas deveria haver uma só: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara!”. Com certeza a sociedade seria diferente. Mas os tempos são outros…
O vexatório sentimento de vergonha é uma daquelas coisas que mais procuramos evitar. É terrível a experiência de ser alvo da risada zombeteira dos outros ou de ser o alvo dos olhares das pessoas. Por mais que se procure evitar sempre há aquele tropeço na frente de muita gente, um ato falho, um comentário embaraçoso e situações constrangedoras as mais diversas. Além disso, existe a ameaça de alguém revelar aquilo que foi feito às escondidas e tornar público um adultério, uma mentira, um desvio de dinheiro, uma falcatrua e coisas tais. Algumas pessoas têm uma atitude muito radical em relação a isso e o preço a ser pago é o autojulgamento. São muitos os casos daqueles que não conseguem suportar a dor da vergonha e decidem punir a si mesmas em gestos extremos. Nesse caso, a pessoa é o juiz e o carrasco. Nos tempos bíblicos os romanos desenvolveram uma sentença cruel para gerar mais dor e culpa àquele que já estava arrasado. A morte de cruz foi planejada para maximizar a dor e a vergonha no condenado. Não bastava o vexame da condenação, era preciso que isso fosse levado ao extremo como uma medida de disciplina social, conforme Michel Foucault diria, séculos após.
Mas há um aspecto positivo no ato de sentir vergonha. Ela pode ser a reguladora de ações que determinam um modo de comportamento moral onde a pessoa passa a fazer escolhas na vida das quais não venha se arrepender ou se envergonhar mais tarde. Pessoas mais antigas valorizavam muito o conceito de que “o homem tem que ter vergonha na cara”. Ter vergonha na cara, nesse caso, significa ter dignidade, honestidade, honradez. Ao contrário, perder a vergonha e o recato resulta em manifestar com orgulho aquilo que deveria ruborizar uma alma sensata. Daí se conclui que a falta de vergonha na cara é a tragédia de uma sociedade que enaltece valores pérfidos e atitudes reprováveis em lugar do que é justo e honesto ou quando vilipendia aqueles que defendem valores conservadores da moral e da ética chamando-os de retrógrados. Nesse caso, a prática cristã é definida de acordo com o padrão normativo do que a Bíblia considera certo ou errado, e não da aprovação social.
Na Bíblia essa questão é tratada de duas formas. Por um lado, Deus sentencia que a forma dele punir uma nação seria revelando suas vergonhas (Ezequiel 4.7; Isaías 47.3; Oseias 4.7) a fim de despertar uma mensagem de julgamento e zombaria das nações vizinhas; por outro lado, a forma de abençoar alguém é tirar as vergonhas que o cobrem e restaurar a sua dignidade com a graça do perdão que provêm do evangelho (Isaías 54.4 e 61.7).
Assim, o encontro com a mulher pega em flagrante adultério relatado em João 8.1-11 ganha contornos desafiantes que exaltam a graça do evangelho. A mulher foi levada à presença de Jesus, exposta ao ódio dos legalistas e tornada em ridículo público de uma farsa moralmente religiosa. Ainda bem que Jesus conhecia o coração e a falsa moralidade dos acusadores. Mas ele também conhecia o pecado, a vergonha, a culpa e o arrependimento daquela mulher. “Vai e não peques mais” soa como uma palavra de libertação jungida ao compromisso com a santidade. Ser perdoado é receber um chamado para lutar contra tudo o que agride o Salvador.
Essa é a vergonha que faz bem, que leva a pessoa evitar atitudes que desonrem a Deus e que poderiam causar desconforto caso fossem reveladas. Um pouco de vergonha – nesse caso, preventiva – faz bem.

Rev. Onildo de Moraes Rezende
(Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento)

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