A redação começa no espaço atrás da folha, é no espaço em branco da criatividade que ela nasce, onde não há grade de linhas nem delimitações te prendendo e ditando um caminho exíguo a seguir. Quando eu cheguei no curso do Professor Marcondes não só meus textos prévios estavam perdidos, eu também estava. Em meu interior toda sorte de questões da juventude se conflagravam – quem sou eu?, qual faculdade fazer?, o que fazer da vida? Pouca vasão eu dava para esses pensamentos, que se tornavam uma grande pedra de Sísifo.
Como a maioria dos jovens brasileiros eu havia me fechado por dentro, alienando-me do mundo exterior e, consequentemente, minha saúde mental se deteriorava por não lidar com tais dilemas. Entretanto, ao iniciar as aulas de redação com o professor, logo fui tirado da zona de conforto ao me deparar com a melhor terapia que há, aliada ao método do curso: a escrita orientada pelo pensamento crítico.
Pouca ênfase se dava na lousa do professor, o foco era a mesa comum compartilhada pelos alunos, todos ansiosos por aprovações nos melhores vestibulares, mas, também, um tanto perdidos com o modelo invertido das aulas, bem como nas interações que floresciam entre as diversas leituras feitas pelos estudantes sobre as problemáticas e temáticas levantadas, profícuas com o embate de opiniões divergentes.
Toda aquela tempestade de ideias, a princípio, caótica para o calouro, era regida e ordenada pelo professor Marcondes, com o fito de ser alcançado, ao final da aula, um horizonte novo para o aluno, ou seja, que fosse desenvolvida a preciosa habilidade de escuta ativa das visões dos outros indivíduos, e que houvesse, com argumentos válidos, suas próprias ideias.
Esse frutífero processo foi lapidando em mim aquilo que a escritora Conceição Evaristo chama de “Escrevivência”, isto é, os questionamentos que buscam as raízes e consequências dos problemas sociais, ao longo do curso, criaram em mim aquilo que faltava para dar vasão as minhas angústias interiores: a intimidade com o questionar a si mesmo e ao mundo. Eu aprendi a sentar diante da folha em branco e, sem medo algum, começar a harmonizar no papel os sentimentos e conflitos que estavam emaranhados na minha psiquê, e que estavam me levando ao adoecimento. Isso, a princípio, pode parecer um pouco confuso, ora, como pode o aprendizado da dissertação argumentativa, realmente, ajudar a saúde e o crescimento de um adolescente? Através desse entendimento de que a Escrevivência, gerada em mim pelo curso, trouxe-me o conhecimento de que sou um ser humano cheio de aflições, ritmos e desejos intrínsecos, e que, ao aprender a lançar perguntas, tanto às coletâneas de textos e livros necessários para a aprovação nos vestibulares quanto às pessoas ao meu redor, para lhes extrair positivamente seus saberes, fui desenvolvendo a habilidade de dialogar – essa tão esquecida e necessária à democracia.
Ao falarmos em diálogo sempre se pensa na fala de opiniões, mas sempre se esquece dos outros movimentos necessários a essa sabedoria do povo, como a pesquisa prévia (leitura) e a escuta ativa. Quando, em 2022, fui convocado, pela primeira vez, para a Universidade de São Paulo – um de meus sonhos – tive de escutar meu coração, não era a hora de ir, eu necessitava cuidar de mim, tive de recusar o ingresso e aprender a respeitar meu próprio ritmo.
Foi assim que entendi que sou um ser humano, não sou uma máquina em busca da produtividade perfeita nem de tempo totalmente cronometrado, e – como cidadão – devo escutar as diferentes posições e ideias daqueles que também integram a sociedade. Assim, percebi que se a democracia precisa de sujeitos ativos, somente com o diálogo interior e com o outros é que ela pode ser alcançada.
Desse modo, foi nesse Kairós – o “tempo oportuno”, segundo os filósofos gregos – proporcionado pelo o que aprendi com a Escrevivência do curso de redação do professor Marcondes – e com as frutíferas conversas com a esposa e sócia, Vânia Góes – que o processo da minha cura psíquica teve seu início. Na escrita crítica e no diálogo, meu espírito deu ordem ao caos interior.
Todos nós, quando nos fechamos e não nos dispomos a encarar nossos desafios, sejam individuais ou coletivos, adoecemos.
Uma sociedade de pessoas doentes também adoece, pois buscam-se fórmulas prontas para o desconhecido, buscam-se falsos messias e vícios que as impedem de raciocinar. Nesses momentos buscamos molduras e linhas já traçadas que ditam os caminhos a serem percorridos, assim, perdemos o tempo oportuno de experimentar e trilhar percursos que realmente nos edifiquem.
Por isso que afirmo: a redação não se esgota no papel, ela se frutifica num cidadão consciente de sua humanidade e sua responsabilidade social.